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Filme estreia no Rio e reabre debate sobre uso medicinal da maconha

Um paciente em tratamento de câncer com quimioterapia sofre com uma série de efeitos colaterais, entre os quais, ansiedade, perda do apetite e náuseas. Se ele vive na Califórnia, nos Estados Unidos, por exemplo, pode amenizar esses problemas usando a maconha para fins medicinais. Mas se mora no Brasil, esse paciente fica sem esse recurso e, muitas vezes, para evitar usar outros remédios fortes, aprende a conviver com os efeitos da quimio. Há pesquisas que comprovam a eficácia do Cannabis sativa (nome científico da maconha) no tratamento de diversas doenças e, em muitos países, o uso da planta com a finalidade terapêutica é legal. No Brasil, a discussão ganhou força recentemente com a mobilização do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em defesa da regulamentação da droga. E agora o tema volta à berlinda, com a estreia no Rio nesta sexta-feira do documentário "Cortina de Fumaça", de Rodrigo Mac Niven.

"Tem pessoas que estão sofrendo com muitas doenças e que poderiam ser ajudadas. A sociedade tem que decidir se quer fazer uma discussão com embasamento científico ou com base em preconceitos morais. A história medicinal da maconha é milenar", diz Mac Niven, cujo filme participou dos festivais do Rio, e de Filmes Brasileiros em Milão, Paris, Nova York e Londres.

O documentário traz 34 depoimentos de médicos, pesquisadores, advogados, policiais e representantes de movimentos civis, que debatem a legalização das drogas e os efeitos da proibição para a sociedade. Entre os entrevistados, FH - que também participou de "Quebrando o Tabu", de Fernando Grostein Andrade -, e estudiosos, como Elisaldo Carlini, do Centro Brasileiro de Informação sobre Drogas (CEBRID); Renato Malcher, da Universidade de Brasília; e Sidarta Ribeiro, professor-titular do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Quem é contra o uso medicinal da maconha alega que os benefícios terapêuticos não são suficientes para compensar danos, como dependência, perda de memória, depressão, insuficiência respiratória, aumento do risco de doenças cardiovasculares e câncer no sistema respiratório. A discussão sobre os graus de adição, a abstinência e os malefícios para o organismo e a sociedade causados por substâncias psicoativas divide opiniões. Há os que argumentam que o grau de dependência é pequeno, sem crises de abstinência e com todos os seus efeitos reversíveis. O problema seria o exagero. A discussão está aberta.

No filme, os especialistas explicam que, além de aliviar os incômodos da quimioterapia, pesquisas mostram que a maconha pode amenizar sintomas de doenças, incluindo danos por Aids, glaucoma, mal de Alzheimer, dor crônica severa, artrite, distrofia muscular, esclerose múltipla e fraqueza extrema (a caquexia). Os canabinoides (princípio ativo do cannabis) agem no cérebro, onde há receptores neurais aos quais se ligam, provocando efeitos no próprio cérebro e no organismo. Eles influenciam funções como sono, apetite e memória. O homem usou a maconha com fins medicinais por séculos, inclusive no Brasil - onde acredita-se que ela tenha chegado com os escravos - até a proibição surgir na história moderna.

Outros estudos feitos em camundongos sugerem que doses pequenas de cannabis aumentam a neurogênese - a formação de neurônios -, que tem um efeito antidepressivo. Se usada em grande quantidade por pessoas com tendência à depressão e psicose, no entanto, o efeito pode ser contrário.

"Só se pode defender o uso medicinal da maconha se entendermos os grupos de risco", ressalta Sidarta Ribeiro, que em 2007 lançou com Renato Malcher o livro "Maconha, cérebro e saúde".

Para o pesquisador, esses grupos seriam os mesmos do álcool: pessoas com tendência à psicose, gestantes, adolescentes, crianças e lactantes. Entre outros riscos, os de danos neurais. O uso medicinal é regulamentado, com restrições, em EUA, Canadá, Reino Unido, Holanda, França, Espanha, Itália, Suíça, Israel e Austrália. No Brasil, em maio de 2010, houve um simpósio internacional para defender a criação da Agência Brasileira da Cânabis Medicinal. Mas pouco se avançou.

"A pesquisa tem que ser ampliada, até porque a maconha é uma planta que tem muitas substâncias diferentes dentro dela. Cada uma tem diversas propriedades medicinais, mas o que pode ser mais terapêutico é a mistura", explica Sidarta.

Os especialistas que defendem o uso medicinal da planta chamam atenção para a falta de informação e orientação médica que são consequências da proibição. Onde a prática é permitida, os pacientes compram maconha em concentrações adequadas dos componentes benéficos para seus problemas. Além disso, o fumo, a forma mais comum de consumo, faz mal para a saúde.

"Acho que precisamos avançar bem mais nesse debate. Há países em todo o mundo muito mais à frente. É preciso dar um salto de qualidade na discussão", encerra Sidarta