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olhos nos olhos

"Abismo Prateado" transforma música de Chico Buarque em drama sobre separação.
Filme estrelado por Alessandra Negrini acompanha jornada de um dia na vida de mulher abandonada pelo marido.


Karim Aïnouz, Alessandra Negrini e Chico Buarque

Uma canção de Chico Buarque lançada em 1976 serviu de ponto de partida para o cineasta cearense Karim Aïnouz criar seu quarto longa de ficção, "O Abismo Prateado", que estreia nesta sexta-feira (26). Na imaginação do diretor, "Olhos nos Olhos" deixou de ser música e se tornou a carta de amor que a protagonista, Violeta, escreve para o marido que a abandonou:

"Quando você me deixou, meu bem, me disse para ser feliz e passar bem / Quis morrer de ciúme, quase enlouqueci, mas depois, como era de costume, obedeci / Quando você me quiser rever já vai me encontrar refeita, pode crer / Olhos nos olhos, quero ver o que você faz / Ao sentir que sem você eu passo bem demais."

Tendo as primeiras estrofes da canção de Chico Buarque como base, "O Abismo Prateado" acompanha a trajetória de Violeta durante apenas um dia, quando descobre que seu casamento acabou.

Pela primeira vez, o diretor de "Madame Satã", "O Céu de Suely" e "Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo" trabalha com uma atriz tão famosa quanto Alessandra Negrini, e o filme faz um claro e bem-sucedido esforço de despi-la dos traços de celebridade e tranformá-la em uma mulher comum.

Aos 40 anos e casada desde os 22, Violeta é dentista, usa roupas simples e vai ao trabalho de bicicleta. Depois de uma intensa relação sexual com o marido, toma banho, seca os cabelos e toma café em um apartamento recém-comprado na zona sul do Rio de Janeiro.

Acompanha o filho de 14 anos em parte do caminho até a escola, segue para o trabalho, recebe seus pacientes e, durante um intervalo, vai à academia.

É lá que ouve, na caixa postal do celular, o recado do marido, Djalma (Otto Jr.), dizendo que a viagem para Porto Alegre feita naquele dia era só de ida. "Eu não te amo mais", justifica.

Desesperada e sem conseguir entrar em contato com Djalma, Violeta decide procurá-lo em Porto Alegre. Após perder o último voo e sem encontrar forças para voltar para casa, ela pega um táxi para Copacabana para uma noite de sofrimento, reflexão e autodescobrimento que incluirá novas amizades, uma frenética sessão de dança e, é claro, a canção de Chico Buarque.

"O Abismo Prateado" carrega algumas das marcas de Aïnouz, como protagonistas solitários, papéis femininos fortes e uma notável sensibilidade ao tratar de seus dramas pessoais.

Apesar dos poucos diálogos e dos longos silêncios, o som é uma das características mais marcantes do longa, no qual o mar, uma obra, o trânsito e o rádio do táxi se combinam para sugerir o estado emocional de Violeta, afastando a necessidade de recorrer a explicações excessivas ou cenas óbvias de choradeira e desespero.

Seguindo o mesmo tom do diretor, Negrini acerta ao fazer um trabalho sutil e contido, usando a respiração como o fio condutor da personagem - pesada e ofegante nos momentos de desespero, silenciosa e tranquila conforme os versos de "Olhos nos Olhos" ganham sentido.
IG

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