POR UM PLANETA CONSCIENTE E VIVO


linda

auto conceito


Cada homem, desde que sai da nebulose da infância e da adolescência, é em grande parte um produto do seu conceito de si mesmo. Pode dizer-se sem exagero mais que verbal, que temos duas espécies de pais: os nossos pais, propriamente ditos, a quem devemos o ser físico e a base hereditária do nosso temperamento; e, depois, o meio em que vivemos, e o conceito que formamos de nós próprios - mãe e pai, por assim dizer, do nosso ser mental definitivo. 

Se um homem criar o hábito de se julgar inteligente, não obterá com isso, é certo, um grau de inteligência que não tem; mas fará mais da inteligência que tem do que se julgar estúpido. E isto, que se dá num caso intelectual, mais marcadamente se dá num caso moral, pois a plasticidade das nossas qualidades morais é muito mais acentuada que a das faculdades da nossa mente.

Ora, ordinariamente, o que é verdade da psicologia individual - abstraindo daqueles fenômenos que são exclusivamente individuais - é também verdade da psicologia colectiva. Uma nação que habitualmente pense mal de si mesma acabará por merecer o conceito de si que ante-formou. Envenena-se mentalmente. 

O primeiro passo passou para uma regeneração, econômica ou outra, de Portugal é criarmos um estado de espírito de confiança - mais, de certeza, nessa regeneração. Não se diga que os «fatos» provam o contrário. Os fatos provam o que quer o raciocinador. Nem, propriamente, existem fatos, mas apenas impressões nossas, a que damos, por conveniência, aquele nome. Mas haja ou não fatos, o que é certo é que não existe ciência social - ou, pelo menos, não existe ainda. E como assim é, tanto podemos crer que nos regenaremos, como crer o contrário. Se temos, pois, a liberdade de escolha, porque não escolher a atitude mental que nos é mais favorável em vez daquela que nos é menos? 

Fernando Pessoa - 'Teoria e Prática do Comércio'