POR UM PLANETA CONSCIENTE E VIVO


a viagem


Em parceria com Tom Tykwer, de "Corra, Lola, Corra", irmãos Wachowski contam seis histórias de diferentes épocas para retratar um universo no qual tudo está conectado.

Muitos diretores se assustariam com a tarefa de adaptar para o cinema um romance que reúne seis histórias ambientadas em diferentes épocas e que foi descrita por seu próprio autor como “infilmável”. Não é o caso dos irmãos Lana e Andy Wachowski, da trilogia “Matrix”, que voltam às salas brasileiras nesta sexta-feira (11) com “A Viagem”, versão cinematográfica do complexo livro “Cloud Atlas”, escrito pelo britânico David Mitchell e lançado em 2004.

O longa, uma parceria dos Wachowski com o diretor alemão Tom Tykwer, de “Corra, Lola, Corra”, dividiu o público no exterior. Se alguns embarcaram na ousada viagem proposta pelos cineastas, outros se irritaram ao tentar juntar as peças de um quebra-cabeça com 2h52 minutos de duração no qual atores como Tom Hanks e Halle Berry interpretam até seis papéis diferentes.



Tom Hanks em "A Viagem"

Mesmo resumir a sinopse de “A Viagem” em poucas linhas parece algo um tanto quanto difícil – mas vamos lá, em ordem cronológica:

Em 1849 , um advogado americano visita uma ilha escravista do Pacífico e enfrenta graves problemas de saúde durante a viagem de navio de volta para casa; em 1936 , na Escócia, um jovem compositor deserdado pelo pai começa a trabalhar para um consagrado músico, na esperança de compor sua própria obra-prima; em 1973 , uma jornalista da Califórnia investiga um assassinato que pode revelar um escândalo envolvendo uma usina nuclear; em 2012 , um editor mergulhado em dívidas é internado pelo irmão em uma casa de repouso de Londres; em 2144 , uma garçonete geneticamente criada passa a integrar um movimento revolucionário na “Nova Coreia”; e centenas de anos depois , no futuro pós-apocalipse, um pastor de um pequeno vilarejo guia uma extraterrestre em uma região montanhosa, cercada de perigos e mistérios.

Em seu livro, Mitchell organiza as histórias de forma cronológica, mas em duas partes, interrompendo as narrativas na metade e retomando-as depois, na ordem inversa. Assim, “Cloud Atlas” começa e termina com a história do advogado doente – um formato que se mostrou inviável para os cineastas, que não queriam que o público reencontrasse o protagonista do primeiro segmento apenas no final do filme, horas depois.

O trio de diretores optou, então, por retalhar o enredo e intercalar as seis histórias o tempo todo, levando o espectador de 1849 para 2144 e de volta a 1936 num simples corte de edição. Para reforçar a mensagem básica do filme, de que tudo está conectado e todas as ações individuais têm consequências no passado, no presente e no futuro da humanidade, Tykwer e os Wachowski decidiram dar vários papéis aos mesmos atores, que com auxílio de muita maquiagem mudam de visual, faixa etária e até sexo conforme transitam pelas diferentes épocas.


As filmagens aconteceram simultaneamente em dois sets diferentes, com um custo total de mais de US$ 100 milhões (R$ 204 milhões). Os Wachowski ficaram responsáveis pela história mais antiga (a do advogado doente) e pelas duas ambientadas no futuro (a da garçonete revolucionária na Coreia e a do pastor no mundo pós-apocalipse), na quais puderam utilizar uma série de efeitos visuais que agradarão aos fãs de "Matrix”. Por sua vez, Tykwer dirigiu os segmentos mais convencionais: do jovem compositor, da jornalista investigativa e do editor internado na casa de repouso.

Alguns temas e situações se repetem, sobretudo a luta de personagens oprimidos que buscam a liberdade, cada um a seu modo. Sobra espaço para os mais diversos gêneros cinematográficos: romance, comédia, drama, ação, suspense e ficção científica. “Houve uma época em que os filmes eram engraçados, tristes e desafiadores, tudo ao mesmo tempo”, disse Lana Wachowski, em entrevista ao jornal “Los Angeles Times”. “Agora nós separamos em comédia, romance, drama. Com ‘A Viagem’, pensamos: ‘Pode ser tudo isso’.”

Poder, até pode - e há algo de admirável na tentativa dos diretores em conseguir traduzir tantas ideias (as de Mitchell e as suas) em uma produção original que, apesar da longa duração, tem bom ritmo e algumas cenas inspiradas. Mas é difícil entender o que exatamente eles querem dizer com tudo isso, principalmente porque a multiplicidade de papéis dos atores, pensada para unir a história, mais distrai do que ajuda. O que Halle Berry está fazendo aqui de novo? Será que todas as Halle Berry são, no fundo, uma só? Será apenas uma brincadeira? O que isso significa?

Antes que as perguntas possam ser respondidas, Hugh Grant já passou de senhor escravocrata a canibal, Hugo Weaving apareceu como diabo e enfermeira de asilo e Jim Broadment foi de capitão de navio a músico rabugento, deixando novas questões no ar e a sensação de que “A Viagem” tem suas qualidades, mas não está à altura de sua própria ambição.
Luísa Pécora


pesar