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linda

Ikonoklasta



“Isto é a minha nota de suicídio a meus pais/ Amo-os muito, desculpem, mas não aguento mais/ Cada dia que passa minha vida perde a importância/ Cada dia que passa morre um pouco a esperança./ Culpado da miséria no país não é só um/ mas o principal, não é segredo, chama-se Zedu./ És um pedaço de ferro, mano, frio e inanimado/ O teu coração, se tens algum, bate do outro lado”.

Escritos há três anos, os versos da música “Sou um kamikaze angolano e esta é a minha missão”, de Luaty Beirão, parecem ter sido compostos no mês passado, quando o rapper decidiu começar a greve de fome que pode levá-lo à morte. Decisão que não foi tomada apenas por ele, mas pelo grupo de ativistas presos do qual faz parte, tão logo completaram 90 dias de detenção.

— A greve de fome foi uma decisão tomada em grupo — conta o radialista e músico Pedro Coquenão, que conheceu Luaty ao dividir com ele a programação de uma rádio em Luanda, sendo hoje seu melhor amigo. — O principal objetivo é a propagação da mensagem. Ele acatou. Outros também entraram, mas já desistiram. Só ele resiste agora.

Fosse pelas letras de música ou, como agora, pelo próprio corpo, a resistência de Luaty sempre pareceu sobressair-se à dos outros.

Certa vez, em 2011, quando ainda usava o codinome “Ikonoklasta”, ele se apresentava em um festival de rap em Luanda, quando identificou na plateia, entre 3 mil pessoas, Eduane Danilo dos Santos, o filho do presidente de Angola. Não titubeou ao provocá-lo: “Senhor Danilo, vai dizer ao teu papá: não queremos mais ele aqui! Trinta e dois (anos de regime) é muito. É muito!”, esbravejou, entre outros desaforos. Foi obrigado a pedir desculpas públicas dias depois.

Desta vez, no entanto, ele não dá sinais de que vá recuar.

— A coragem, para mim, neste caso, tem mais a ver com a inevitabilidade de fazer as coisas de outra forma. Conhecendo o Luaty como eu o conheço, sei que não faz o menor sentido parar a greve de fome, mesmo com a data do julgamento sendo marcada. Só agora o objetivo dele está sendo plenamente atingido — diz Pedro, à saída do hospital, onde vai diariamente com os irmãos, mulher e filha de Luaty levar cartas de apoio.

Henrique Luan da Silva Beirão nasceu em 1981, em uma família ligada ao MPLA (o pai, João Beirão, foi diretor da Fundação Eduardo dos Santos).

Formou-se em Engenharia Eletrotécnica em Plymouth, na Inglaterra. Foi lá, aos 22 anos, que participou da primeira de suas manifestações, contra a guerra no Iraque. Depois cursou Economia na França, onde as ideias ativistas ventilaram em sua cabeça com mais força.

De volta a Luanda, começou a participar de movimentos contra o governo de José Eduardo dos Santos com outros músicos — como já compunha raps desde os 13 anos (sempre manifestou adoração pelos Racionais MCs), assumiu a alcunha “Ikonoklasta” e tornou-se um dos mais contundentes críticos do regime.
Mariana Filgueiras